O pontífice morreu nesta segunda-feira (21), aos 88 anos. No início da pandemia, o papa concedeu indulgência plenária aos mais de 1,3 bilhão de católicos de todo o mundo. Papa faz missa sozinho na Praça São Pedro vazia nesta sexta (27)
Alessandra Tarantino/AP
O papa Francisco morreu nesta segunda-feira (21), às 7h35 no horário de Vaticano, ou 2h35 pelo horário de Brasília. Ele tinha 88 anos e comandava a Igreja Católica desde 2013.
Francisco, que foi o primeiro latino-americano a assumir o papado, ficou conhecido por suas mensagens e gestos pela paz durante todos os 12 anos em que desempenhou seu papel como pontífice.
Entre as diversas imagens e palavras que marcaram seu legado como papa, uma das mais marcantes ocorreu em 27 de março de 2020, no auge da pandemia de Covid-19.
Em um momento marcado pelas medidas de isolamento social e o medo generalizado pela pandemia que avançava e deixava milhares de doentes e mortos em todo o mundo, Francisco rezou pela humanidade sozinho na imensa e vazia Praça de São Pedro.
AO VIVO: Acompanhe a repercussão da morte do papa
✅ Clique aqui para seguir o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp
ANÁLISE: Papa Francisco eterniza legado de reforma e simplicidade na Igreja Católica
Em Praça São Pedro vazia, Papa Francisco dá benção especial: ‘Devemos andar juntos’
Naquele momento, o papa concedeu a benção de “Urbi et Orbi” (à cidade e ao mundo, na tradução) a todos os mais de 1,3 bilhão de católicos do mundo.
Essa benção, que só costuma ser concedida no Natal e no domingo de Páscoa, as datas mais importantes para a Igreja Católica, oferece aos fieis a chamada “indulgência plenária”, que concede perdão aos pecados.
Na época, o Vaticano afirmou que aquele era um “evento extraordinário” que aconteceu “em um momento específico, quando o mundo cai de joelhos pela pandemia”. “Um momento de graça extraordinária que nos dá a oportunidade de viver esse tempo de sofrimento e medo com fé e esperança”, dizia a nota.
Além do momento de oração e concessão da benção, a homilia (reflexão sobre o evangelho do dia dos religiosos que celebram missas) do papa naquele dia também repercutiu na época e voltou a ganhar destaque nesta segunda, com o falecimento do pontífice.
Na ocasião, Francisco relembrou uma passagem bastante conhecida da Bíblia, em que os discípulos de Jesus se assustam com uma tempestade no mar enquanto o líder dormia. Antes de acalmar a tempestade, Jesus questiona: “por que temeis, homens de pouca fé?”.
“A fé começa quando nos damos conta de que precisamos de salvação. Não somos autossuficientes; sozinhos, afundamos: precisamos do Senhor, como os antigos navegadores precisavam das estrelas”, disse Francisco.
“Como os discípulos, experimentaremos que com Ele a bordo não haverá naufrágio. Porque esta é a força de Deus: transformar em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas más. Ele traz serenidade às nossas tempestades, porque com Deus a vida nunca morre”, afirmou o papa em seu sermão.
Essa foi uma das homilias mais populares de Francisco durante seus 12 anos de papado.
Nesta segunda, após o anúncio da morte do pontífice, o vídeo do papa na Praça de São Pedro vazia e suas palavras naquele momento são algumas das lembranças mais compartilhadas nas redes sociais.
O vice-presidente dos Estados Unidos, James David Vance, escreveu em suas redes sociais que sempre se lembrará do Papa por essa homilia: “aquilo foi muito bonito”.
LEIA TAMBÉM
BEM-HUMORADO, FÃ DE FUTEBOL, 1º PAPA LATINO-AMERICANO: conheça a trajetória de Francisco
DO FUNERAL AO CONCLAVE: quais são os próximos passos da Igreja Católica após a morte do papa Francisco
SÉ VACANTE, CAMERLENGO E COLÉGIO DOS CARDEAIS: saiba quem comanda a Igreja Católica após a morte do papa Francisco
QUEM PODE SUBSTITUIR FRANCISCO? Veja nomes cotados
VÍDEOS: brincadeiras, quebra de protocolos e a descontração do papa Francisco
PULMÃO, INTESTINO E MAIS: os problemas de saúde enfrentados por Francisco
Relembre a homilia do papa Francisco em 27 de março de 2020, data da benção de ‘Urbi et Orbi’ pela pandemia
“Ao entardecer…” (Mc 4, 35): assim começa o Evangelho, que ouvimos. Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos. À semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos. Tal como os discípulos que, falando a uma só voz, dizem angustiados “vamos perecer” (cf. 4, 38), assim também nós nos apercebemos de que não podemos continuar estrada cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos.
Rever-nos nesta narrativa, é fácil; difícil é entender o comportamento de Jesus. Enquanto os discípulos naturalmente se sentem alarmados e desesperados, Ele está na popa, na parte do barco que se afunda primeiro… E que faz? Não obstante a tempestade, dorme tranquilamente, confiado no Pai (é a única vez no Evangelho que vemos Jesus a dormir). Acordam-No; mas, depois de acalmar o vento e as águas, Ele volta-Se para os discípulos em tom de censura: “Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (4, 40).
Procuremos compreender. Em que consiste esta falta de fé dos discípulos, que se contrapõe à confiança de Jesus? Não é que deixaram de crer N’Ele, pois invocam-No; mas vejamos como O invocam: “Mestre, não Te importas que pereçamos?” (4, 38) Não Te importas: pensam que Jesus Se tenha desinteressado deles, não cuide deles. Entre nós, nas nossas famílias, uma das coisas que mais dói é ouvirmos dizer: “Não te importas de mim”. É uma frase que fere e desencadeia turbulência no coração. Terá abalado também Jesus, pois não há ninguém que se importe mais de nós do que Ele. De fato, uma vez invocado, salva os seus discípulos desalentados.
A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de “empacotar” e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente “salvadores”, incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades.
Com a tempestade, caiu a maquiagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso “eu” sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos.
“Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” Nesta tarde, Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a todos. Neste nosso mundo, que Tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: “Acorda, Senhor!”
“Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” Senhor, lanças-nos um apelo, um apelo à fé. Esta não é tanto acreditar que Tu existes, como sobretudo vir a Ti e fiar-se de Ti. Nesta Quaresma, ressoa o teu apelo urgente: “Convertei-vos…”. “Convertei-Vos a Mim de todo o vosso coração” (Jl 2, 12). Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de decisão. Não é o tempo do teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de decidir o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros. E podemos ver tantos companheiros de viagem exemplares, que, no medo, reagiram oferecendo a própria vida. É a força operante do Espírito derramada e plasmada em entregas corajosas e generosas. É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho. Perante o sofrimento, onde se mede o verdadeiro desenvolvimento dos nossos povos, descobrimos e experimentamos a oração sacerdotal de Jesus: “Que todos sejam um só” (Jo 17, 21). Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade! Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos! A oração e o serviço silencioso: são as nossas armas vencedoras.
“Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” O início da fé é reconhecer-se necessitado de salvação. Não somos autossuficientes, sozinhos afundamos: precisamos do Senhor como os antigos navegadores, das estrelas. Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida. Confiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo, experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: fazer resultar em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas ruins. Ele serena as nossas tempestades, porque, com Deus, a vida não morre jamais.
O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor. No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3), que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança.
Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades da hora atual, abandonando por um momento a nossa ânsia de onipotência e possessão, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é capaz de suscitar. Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade. Na sua cruz, fomos salvos para acolher a esperança e deixar que seja ela a fortalecer e sustentar todas as medidas e estradas que nos possam ajudar a salvaguardar-nos e a salvaguardar. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança. Aqui está a força da fé, que liberta do medo e dá esperança.
“Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” Queridos irmãos e irmãs, deste lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de vos confiar a todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do seu povo, estrela do mar em tempestade. Desta colunata que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade. Continua a repetir-nos: “Não tenhais medo!” (Mt 14, 27). E nós, juntamente com Pedro, “confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque Tu tens cuidado de nós” (cf. 1 Ped 5, 7).
Atende News
Você Informado Sempre!