Qual peso têm os mais de meio milhão brasileiros que vivem em Portugal na eleição no país?
Segundo dados da pesquisa do Itamaraty com comunidades brasileiras no exterior, hoje há mais de meio milhão de brasileiros morando em Portugal. A imigração e a integração cultural dos imigrantes em Portugal — sobretudo de brasileiros em Portugal, que somam mais de meio milhão de pessoas — é um dos temas centrais das eleições que acontecem neste domingo (18/5) no país.
Os portugueses estão indo às urna pela terceira vez em três anos para escolher um novo Parlamento e um novo governo. A votação acontece depois que o premiê Luis Montenegro, da Aliança Democrática, de centro-direita, perdeu um voto de confiança em março devido a denúncias envolvendo seus negócios familiares — provocando a dissolução do Parlamento e a convocação de nova eleição.
Montenegro nega qualquer irregularidade e está liderando a Aliança Democrática nas eleições.
A economia é um dos temas centrais da eleição — já que a média salarial de Portugal é de cerca de 2 mil euros (R$ 12 mil) por mês, bastante abaixo da média de 3.155 euros (R$ 20 mil) da União Europeia. Isso tem provocado o fenômeno de “fuga de cérebros” — com muitos portugueses com boa formação técnica deixando o país em busca de melhores oportunidades no exterior.
Mas ao mesmo tempo, Portugal vem enfrentando um aumento enorme no fluxo de imigrantes para o país — o que gera conflitos culturais e ondas de resistência à imigração, inclusive com episódios de xenofobia.
Cerca de 1,5 milhão de estrangeiros residem em Portugal, aproximadamente o triplo do número de uma década atrás e representando cerca de 14% da população total.
Entre 2015 e 2023, sob o Partido Socialista, de esquerda — que nesta eleição é liderado pelo economista Pedro Nuno Santos — Portugal teve um dos regimes migratórios mais abertos da Europa.
O aumento de chegada de imigrantes — do Brasil, mas também de países asiáticos — gerou um sentimento anti-imigração e reforçou o partido Chega, que foi criado em 2019 defendendo ideais conservadores.
O partido recebeu grande apoio nas eleições do ano passado e se consolidou como terceira força eleitoral. Há sinais nas pesquisas de opinião mais recentes queo partido pode ter estagnado desde então.
Salto no número de brasileiros
Nos últimos anos, Portugal viu saltar o número de brasileiros que residem no país.
Segundo dados da pesquisa do Itamaraty com comunidades brasileiras no exterior, hoje há mais de meio milhão de brasileiros morando em Portugal.
Isso faz de Portugal o segundo país com a maior comunidade brasileira no mundo, atrás só dos Estados Unidos, que têm mais de 2 milhões de brasileiros. Ainda assim, Portugal possui quase o dobro da quantidade de brasileiros do Reino Unido, o segundo país europeu com mais brasileiros.
O que chama a atenção é que apenas em quatro anos — entre 2020 e 2023 — o número de brasileiros em Portugal cresceu 85%. O número de brasileiros em Portugal foi de 276 mil em 2020, no começo da pandemia, para 513 mil em 2023.
Em outros países com grandes comunidades de brasileiros — como Espanha e Reino Unido —, houve um crescimento inferior a 10% no tamanho da comunidade brasileira.
Portugal atrai brasileiros pelo clima, maior segurança, uma moeda mais forte (o euro), o idioma em comum e a também facilidade burocrática — já que existem muitos protocolos para validação de diplomas brasileiros, por exemplo.
Uma pesquisa do site LinkedIn do ano passado mostrou que Portugal é o segundo destino mais escolhido por brasileiros que procuram trabalho fora do país, atrás apenas dos EUA.
Especialistas apontam que essa migração acontece em várias camadas sociais: desde entre quem busca de empregos de mais baixa renda — como na construção civil — até profissionais especializados — em setores de tecnologia, medicina ou advocacia.
E não são só os brasileiros. Nesta década, também cresceu muito em Portugal o número de imigrantes da Ásia — como Índia, Paquistão, Bangladesh e Nepal. Para eles, a integração vem sendo ainda mais difícil — por não falarem português.
Os brasileiros podem ter também um impacto significativo na eleição na condição de eleitores. Não é preciso ser cidadão português para votar nas eleições. Brasileiros que têm residência legal em Portugal há mais de 2 anos podem votar nas eleições.
Atritos
A principal voz contra imigração no país é a de André Ventura, líder do partido da direita radical Chega. Em apenas seis anos de existência, o Chega virou uma força política levantando a bandeira do conservadorismo.
Em 2022, foi o terceiro partido mais votado de Portugal. Recentemente, André Ventura postou uma imagem dele próprio vestido de piloto de avião junto com um bilhete que dizia querer mandar imigrantes pra um destino: “Longe”.
Mas apesar da retórica anti-imigração, Ventura não costuma falar diretamente sobre brasileiros. Pois na base de eleitores do Chega estão muitos brasileiros que fazem campanha pelo partido.
Ventura é apoiado pelo ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, com quem fez até uma live. E já liderou protestos contra o presidente Lula no Parlamento português. A principal mensagem do Chega é contra imigrantes irregulares, sobretudo asiáticos que não falam a língua portuguesa.
A imigração também virou tema importante na campanha de Luis Montenegro, o primeiro-ministro que renunciou ao cargo.
Em visita ao Brasil, Montenegro disse que queria recrutar professores brasileiros para trabalharem no ensino básico português, em uma aparente sinalização de simpatia à imigração. Mas em maio, o governo de Portugal anunciou que notificaria 18 mil imigrantes em situação ilegal para que deixem o país.
Esses são imigrantes que tiveram seus pedidos de residência negados pelo governo português. Acredita-se que a maioria sejam brasileiros. E isso provocou uma reação política. Montenegro foi acusado pela oposição de populismo eleitoral — ou seja, de anunciar deportações em um momento em que o seu partido disputa votos com a direita radical.
O governo de Portugal negou que tenha tomado a decisão de olho na eleição.
Já o candidato do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, fez uma campanha pregando o fim do discurso de ódio contra imigrantes, e também defendendo que imigrantes façam mais para se adaptar à cultura portuguesa. Mas também reconheceu que seu partido não conseguiu criar um sistema de imigração eficiente quando esteve no poder.
‘Guiana brasileira’
Uma pesquisa recente apontou que 68% dos portugueses considera “muito permissiva” a política migratória do país. E 75% defendem uma entrada, entre aspas, “mais regulada” de migrantes. Só que, num país que envelhece a ritmo acelerado, os imigrantes têm tido um papel importante em renovar a população: quase um em cada quatro nascimentos em Portugal em 2022 foi de bebês de mães estrangeiras.
Em paralelo, a grande presença de brasileiros em Portugal provoca debates sociais.
Alguns são encaradas como brincadeiras entre portugueses e brasileiros — que dividem um passado e uma história em comum. Um exemplo é que o português de Portugal tem cada vez mais palavras tipicamente brasileiras, como “dica”, “grama” ou “geladeira”.
É o que os portugueses chamam de “brasileirismo”.
Mas nem tudo é tão ameno.
No final de 2024, pelas redes sociais, alguns brasileiros começaram a chamar Portugal de “Guiana Brasileira” — uma sugestão jocosa de que Portugal estaria se tornando uma espécie de território brasileiro , assim como a Guiana Francesa é um território da França. Alguns portugueses encararam isso como uma ofensa.
No TikTok, brasileiros fizeram vídeos satíricos tratando Portugal como o mais novo Estado brasileiro.
Recentemente uma foto viralizou em Portugal e no Brasil de um supermercado português que convida os clientes brasileiros a pagarem com PIX.
O jornal português O Público noticiou que o PIX já se popularizou como meio de pagamento em lojas portuguesas, aceito por grandes redes de varejo — basta que o cliente tenha uma conta de banco no Brasil.